domingo, 9 de fevereiro de 2025

Panegírico

Eu me assustei com os sons dos meus pés na neve. 
Uma neve seca sobre um chão duro, e um vento gélido interrompeu meus pensamentos. 
- Aonde eu...? 
Me dei por mim em meio a um horizonte infinito de branquitude e frio, o vento forçando minhas pálpebras a ficarem fechadas, o gelo ardendo meus olhos e atrapalhando minha audição. 
Em um instante pude ver um vulto, à minha esquerda, marchando com intensidade 
mas quando eu tentei segui-lo e acompanhar seus passos, esse inferno congelado me impediu 
- Espera aí, eu não consigo- 
As palavras perdiam o sentido ao sair da minha boca, eu tentava pensar pra quem eram essas palavras, quem eu estava seguindo, o porquê de estar aqui 
Ao mesmo tempo em que estas perguntas ficavam sem resposta, outras surgiam e se esvaíam 
Eu estava começando a ficar nervoso e em pânico, mas na mesma velocidade em que eu me desesperei eu me acalmei e continuei andando 
- Aqui é Gobz... 
outros vultos aparecem no meu campo de visão e desaparecem em meio a infinitude branca... 
pequenos goblins correndo, felizes, sorrindo e cantando, carregando alguém; 
uma sombra que contrasta perfeitamente com a claridade da neve, sumindo em meio a luz refletida; 
uma senhora com um sorriso morno, acena lentamente em minha direção; 
meus passos não param, não consigo deixar de me mover, minha cabeça agora procura se firmar em qualquer coisa, mas nada se fixa... 
o barulho de metal caindo no chão me tira um instante do torpor, mas quando percebo que é uma adaga, ela já está muito distante pra eu poder pegar devolta 
A quanto tempo eu estou caminhando? Horas? Meses? Anos? 
Uma minaura me oferece a mão pra eu me aninhar em seu ombro, mas eu só continuo seguindo por entre a poeira dessas visões 
Um bucaneiro falastrão chama minha atenção para flanquear os inimigos, e sorri quando eliminamos nossos adversários 
Um finntroll que parece não se importar, separa minha parte dos espólios com justiça 
Um samurai que se apegava muito á sua honra, lutando para defender a minha, que era nula 
Quem são essas pessoas? 
Porquê estas memórias parecem se despedir de mim? 
Um aperto leve no peito, a sensação quente de uma lágrima escorrendo, imediatamente interrompida pelo frio e pelo esquecimento
Uma halfling se materializa no meu caminho, seu rosto um misto de alívio e consternação 
meus passos finalmente ficam lentos, eu não escuto mais nada 
nada me abala, nada me distrai, nada me mantém 
ela pousa a mão sobre meu peito e nossas lágrimas se misturam; 
minha testa cola na dela e fechamos os nossos olhos 
eu perco o equilíbrio e espero o impacto da minha queda na neve, mas ele nunca vem 
no pó da manhã meu corpo nem chega ao chão, e se desfaz em arrependimento e rebeldia 
a única certeza que resta, é de que o inferno é pequeno demais pro que restou de mim

Nenhum comentário:

Postar um comentário