sexta-feira, 7 de junho de 2024

Ode il delirium

Quando eu abri minha caixa torácica

Um esforço moderado, confesso

Me surpreendi mais com a poeira

Do que com meu sangue morno

Após o estalo ósseo inicial

No silêncio, ansioso pelo tesouro

Dava até pra ouvir as batidas

Mas se confundiam com meu ranger de dentes

Um coração lá, encaixado

Sobrevivendo de água, luz e talvez fúria 

Uma vontade distinta, minguante 

Alienígena 

Não era o meu 

Ainda perdido a mortes atrás; 

Quando o delírio passou 

Voltei a me surpreender com a sua expressão 

Se antes era exasperada

Curiosa

Agora era apenas desdém 

"Eu só queria saber como você 

Ainda funcionava, nesse estado 

Bem patético, por sinal"

A dor não me espanta mais

Meus músculos tremendo pelo esforço 

O sangue já quase gelado

Eu me fecho

Evito por um milagre um desmaio

Mas sorrio

"Eu já sabia", minto;

"Quando você sair, por favor

Tranque a porta"

eu não me importo 

Tanto assim de me mostrar

acho que não me importo 

De estar numa sobrevida confusa

realmente não me importo

Se tem como eu me machucar mais

Não vou nunca, deixar de me importar

Se já morri 

Porque não 

denovo, mais uma vez

Ao vento, ao norte, ao carvão 

Às minhas cinzas

Às brasas mornas da minha forja

Às lágrimas que não vão pro meu rosto

Às palavras que não passam da garganta 

À dor que não transparece na íris 

"Quem sabe da próxima vez"

Suas costas já parecem mais acolhedoras

Do que seu abraço.

De qualquer forma

Obrigado mais uma vez

Não volte sempre

Tente me esquecer

A sua tatuagem está atrás do meu pulmão 

Se eu não olhar lá 

Não vou pensar em você 

Hoje, agora, deitado, na cama

Nem depois, repetindo

Leve-se de mim

Na cabana solitária, meu ego me ensina

Onde foi que errei

Por quê eu acreditei 

Como eu deixei me levar

Sozinho, denovo

Com sombras, luzes e fumaça 

Fogo fátuo 

Dessa vez eu não sorrio mais

Mas em outra sombra revisitada eu vejo

Seus galhos retorcidos

Seus olhos de lua

A terra por entre seus tendões 

Seu braço, me apontando ao buraco 

"Você devia ter ficado aqui"


ode il delirium

mors corpori est colossus

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