sexta-feira, 8 de outubro de 2021

consequência

    Quando eu voltei a perceber que o tempo estava passando, o líquido estava seco no chão. Pedaços de vidro espalhados, seu conteúdo desperdiçado por entre as frestas da madeira. 

    Comecei a ouvir ecos dos seus questionamentos: "Você vai derrubar, por favor, segure com cuidado", "Por favor, o vidro não tem apoio, segure-o bem". Eu olho pras minhas mãos e as vejo intactas, imaculadas, mas uma sensação de culpa as fecha. 

    Uma inquietude permeia meu peito, e eu questiono atrasado: "O que aconteceu? Eu realmente deixei cair?" "Eu queria deixar cair?" Por impulso, eu olho pra trás, em suplício, pedindo ajuda a um deus oco, e sou abençoado com nada. Em uma frustrante tentativa de impedir o presente, o medo borbulha no estômago, imediato, incômodo, amargo. 

    A mente acelera pra tentar entender, figuras passam pelos meus olhos. Eu tinha a poção em mãos. Eu só precisava segurar. Você não está mais na minha frente. O que era inquietude agora claramente é desespero: meus olhos brotam água, o silêncio se assenta em todo meu corpo. "Eu não queria". 

Palavras que não alcançam ouvido algum, ainda podem significar algo? 

    No chão já não sobra nada que não seja vidro e sangue. Das minhas mãos culpadas, tentando reverter o passado, engasgo mais palavras, procurando você, que ainda deveria estar aqui. 

    Finalmente vejo a porta aberta, e percebo que você partiu a muito, muito tempo. O vento me abraça e pede clemência em meu nome... o norte nega. 

A pior tempestade ainda está por vir

sábado, 2 de outubro de 2021

De volta as cinzas

Eu não vejo mais, as horas iguais.


Meu tempo parou, o sangue como mogno dentro do corpo, agora gelado.

Sem ritmo, timbre ou melodia. Cada passo um osso quebrado. Cada suspiro, poeira de vidro.

Se antes eu não sabia o que fazer, o que me resta agora? Se desconhecer o caminho invisível já era dolorido, agora sem nem mais vontade de caminhar, para onde eu vou olhar?

As ondas começaram tarde. As vozes nunca mais se calaram na minha cabeça. Todos gritos, desconjuntes, ilógicos, amargos e urgentes. O conhecido processo de ignorância permeia numa névoa que parece querer nunca mais dissipar. 

Eu não terei forças pra navegar essa tempestade. O corpo dói sem esforço. O que me foi retirado sustentava todo o processo. Não existe mais nada aqui dentro.


Eu não vejo mais, as horas iguais.