segunda-feira, 10 de outubro de 2022

Tears of Ice

 Esta segunda eu acordei numa cama diferente da padrão. O som da via expressa e suas buzinas, seus carros e acidentes está um pouco mais distante hoje. Estou em caeté, a trabalho doméstico. 


Houve um tempo que eu tinha deixado de gostar de vir a caeté. Afinal, não tinha nada pra fazer aqui, meus amigos a muito distantes, era difícil combinar, organizar... Enfim, essa vida que tira tudo ainda precisa tirar mais. 


Hoje eu aprendi, na paciência, a aproveitar Caeté, como ela é. Uma tranquilidade pros meus ouvidos, um relaxamento da alma, e um balmo pro dia a dia. Tudo aqui é substancialmente diferente de onde eu fico em BH. Tenho espaço, tenho terra, tenho meus sons, quando quero barulho, e tenho memórias, Nem todas boas, nem todas saudáveis, mas minhas. E as vezes é impossível resistir ao doce veneno que é relembrar mágoas passadas, as dores da alma ardendo seus tampões de sangue, as unhas fervendo pra sentir denovo, o que quer que seja.


Hoje eu senti uma saudade muito específica, e muito guiada. Eu tive poucos CDs na minha vida, raríssimos originais, mas um tem uma parcela grande da minha juvenice. Infinite, do Stratovarius. Nem era meu, eu peguei emprestado com o Bobs, e fiquei com ele tanto tempo que ficou de uso capião. Eu ouvi esse cd de trás pra frente, sabia os solos, os tons diferentes da guitarra, quando a música ia arranhar no toca disco. 


Pensei: porquê não me permitir essa indulgência? A resposta veio a cavalo. De sobressalto, as lágrimas vieram primeiro, e o sufoco apertado no peito, um mar inteiro de momentos regados a essas melodias, e eu como sempre, não estava preparado. A nostalgia não costuma vir mais, como um saudoso abraço, um velho amigo que faz muito tempo que você não vê... ela me preenche com a totalidade da sua ausência dentro da minha alma. Todo o abismo que não volta mais, o tempo que passou rasgando, tudo que um dia foi. E pela certeza dessa beleza que nunca mais vai voltar, pela certeza dessa dor que nunca mais vai embora, eu chorei largado. Solucei, e lembrei. Lembrei das manhãs, das chuvas, dos sustos, das noites, das gargalhadas, das lágrimas. O que foi que eu deixei aqui, esse pedaço que reside fantasmagórico, atrelado a esse lugar e a esses sons? Qual o tamanho do pedaço criança da minha alma que teve que apodrecer e cair, pro Marcelo adulto poder chegar?


Ainda esses dias eu me contive, pra parar de ter devaneios passados e focar apenas no futuro. Agora, depois de todo esse tempo, eu consigo, finalmente, ver uma luz, um desejo, algo no amanhã. Mas ele ainda está na frente. Com certeza mais um que vai me pegar de surpresa.


Eu acredito que essas emoções vieram se despedir. E assim como elas, eu também não gosto dos adeus. São momentos que passaram, e assim como as músicas, uma hora o devaneio tem que acabar. Uma nova melodia começa, e por mais que ela nunca substitua a velha vitrola, você pode tentar se forçar a ouvir os novos toms da vida. Que estão sempre nas esquinas, te esperando com surpresas, quer você queira ou não.

domingo, 10 de julho de 2022

Um dia

O barulho do despertador

O céu cinza na janela

O café morno e amargo, o pão seco

O banho desconfortável, a roupa que aperta, o sapato que machuca

O dia que mal começou, mas torcemos pra que acabe assim que o pé direito bata, pra entrar no ritmo


O alongamento artificial das horas, o desespero cronometrado

O fim, o alívio, a volta, a recarga pra começar tudo de novo


Outro dia, o céu continua cinza, mas para os meus olhos está azul

Antes do despertador, já estou em pé, e canto feliz

O café gostoso, o pão macio

O banho que não devia ter fim, a roupa bonita, o sapato confortável

A alegria que acompanha a vida, até o verdadeiro bom dia


E a única diferença, é você

Se o seu sorriso é o meu

Se teu pensamento sou eu

Os braços sentem falta do abraço, mais do que atrasado


Um dia, você vai acordar e me ver no céu

E eu vou estar contigo

Assim como este sorriso

que é feito seu

Um dia


talvez amanhã

terça-feira, 28 de junho de 2022

insônia

 São dez da noite. Estou cansado. Bocejo. Desligo o computador. Escovo os dentes. Me arrumo. Apago as luzes. Deito na cama. Dou uma última checada no celular. Coloco uma música pra ajudar a dormir.


As pálpebras estão fechadas. A respiração constante. O cérebro manso. Mais bocejos. O sono está do meu lado. O corpo confortável. 


Já fazem alguns bons minutos que não me mexo. Respiro mais profundamente. A música está bem baixinha, pro subconsciente tomar conta. Alguns pensamentos começam a querer sair do cercadinho.


O celular para de tocar a música, e o tempo do sleep era de 45 minutos. Ainda estou na mesma posição que deitei. A respiração constante, o corpo cansado. A idéia de que se passaram 45 minutos e o sono não veio, trás frustração.


Troco de posição. Troco o lado do travesseiro. Me espreguiço. Bocejo novamente. O cérebro manda o primeiro porquê.


Por quê não consigo dormir?


Os barulhos da rua já estão bastante proeminentes. Os passos das pessoas na passarela pela madrugada. Vozes, gritos, carros. Por quê não consigo dormir? Em uma derrota, olho o relógio, e são 1 da manhã. Se foram 3 horas de absoluta paz, tranquilidade e conforto. O golpe da frustração acerta profundamente. Por quê?


O corpo começa a dar sinais de desconforto. As cobertas ficam quentes. O travesseiro arranha. Por quê? Suspiros. Respiração profunda. Contar carneiros. Por quê? As lágrimas chegam e trazem fúria. Não há mais paz. A tranquilidade se foi. O barulho baixinho da garganta permeia. Em outra derrota no relógio, são 3 da manhã. Por quê?


O corpo que estava cansado já está mais do que destruído. A escuridão do quarto quase ausente, com os olhos acostumados. Por quê? O corpo esfria sem a coberta. Por quê? Calor, tristeza, inércia, dor e dor e dor. Por quê? Os primeiros raios de sol entram pela janela. O grito mudo no travesseiro. Por quê? 


O olhar vazio para as paredes não responde nada. Os olhos abertos ou fechados não fazem diferença. Por quê? São 8 da manhã. Eu não consegui dormi. E a frustração me enche de lágrimas e de amargura. Por quê?

Ter a noção de que eu não consegui dormir, me preenche de melancolia. Eu não fui apto. Não fui capaz. Eu queria. Mais do que muita coisa. 


Eu não 

consegui 

dormir.


Por quê?

quinta-feira, 16 de junho de 2022

Carta para as cinzas

Esse texto foi uma carta que meu personagem de RPG de vampiro: a máscara, Sean, um Ventrue de alguns séculos, escreveu quando teve seu frágil mundinho abalado por uma paixonite. 

Há quase 10 anos.

Certas coisas são cíclicas na nossa vida mesmo.


04/01/2013


Domingo, Buffalo


23h, Isa's Girls

Eu... mal te conheci. Uma fama nada agradável precede-te, ouço de bocas inebriadas sobre suas incríveis habilidades, sobre o verdadeiro amor que é possuir-te, sobre quantas vezes já o fora...


Era uma obrigação conhecê-la, sondar sobre tuas atitudes e desejos, e o porquê de Buffalo, dentre todos os lugares. Minha vez então se aproximava, e poderia ver com meus próprios olhos o que havia de tão especial no teu colo...


Acredito que quando vi-te, meus olhos não lhe fizeram justiça. Por ser boêmio, esperava que fostes apenas um rostinho bonito, tentando formas alternativas para fazer dinheiro rápido, e pelo que ouvi, muito rápido...


Mas estava pasmo. Como, por tudo que ainda me atenho nesta pós vida, podia ser tão... perfeita? Não precisavas dizer nada, teus olhos comunicavam perfeitamente o que querias de mim, apenas perfurando-os. Não sabia o que dizer, como agir, e em toda minha experiência, isto fora impossível.


Quando se aproximou, tive medo da rapidez de nosso encontro, e quis que perdurasse para sempre este, em um quadro... pensei. Mas o sangue falou mais alto. Meu objetivo voltou com voracidade e clareza. Coloquei meu melhor sorriso, e analisei cada detalhe seu, de seus lábios, seus olhos, sua voz. O quê você busca, o que você almeja.


No momento em que notei teu desvio, aquela pequena faísca de medo e desespero em seus olhos, senti que minha hora havia chegado. Prontamente me propus a te libertar da dor, gostaria de vê-la livre, quiçá cobiçá-la eu mesmo...


E sua inocência foi sua ruína. Como, em nome de Cain, podes ser tão estúpida? Disse-lhe para confiar totalmente em mim, exigi de ti somente a verdade, mas seu desespero e seu amor lhe tomaram. Sua mente não estava mais aqui, quando mencionei que tinha condições de ajudá-la. 


Eu não tenho coração. Definições mundanas de sentimentos, apego e cuidado, são tão vãs que nem faz ideia. Talvez nos próximos séculos. Mas hoje eu me perdi. Talvez, sua ingenuidade tenha me contaminado, e esqueci o que eu era para tentar ajudar-lhe. Agora apenas agonizarei eternamente, mudo para o mundo, sobre o que fez com este pobre monstro.


Antes de entrar naquele cômodo, pensava em como iria reagir, o que você faria ao conhecer seu amado... Inveja. Um sentimento há muito perdido, e que confesso, chegou próximo a superfície do meu ser, uma criança da noite literal, sem qualquer pudor e apreço pela pós vida, alguém marcado por uma busca fantástica em um mundo severo e acimentado.


"Trouxe a garota. A mesma busca um sonho, por isso chama tanta atenção. Peço que perdoe a ingenuidade da criança, e que apenas a escute."


Tão automático, tão fiel, tão cegamente obediente. A verdade é que queria poder começar a te servir logo naquele momento, que fosse designado para ser seu guardião e tutor, pois tudo que tu representava, era tudo que eu havia me forçado a esquecer. Causaste um turbilhão aqui dentro, mas nunca iria saber. Nunca.


"Buscas tão infundadas quanto a impossibilidade de seu objetivo. O passado que é ressuscitado pelas mesmas, deve e será para sempre enterrado."


Foi tão rápido. Em um segundo, estavas ao meu lado, se agarrando ao meu braço, como se somente isso lhe desse calma. No outro, estava completamente em chamas, e em um segundo a mais, deixaste de existir.


Assim, tão fugaz. Tão humana.


As perguntas vieram aos montes, dúvidas, por quês, mas nada disso seria importante. Todos os dizeres que ocorreram a seguir foram ignorados pela razão e por isso não terão o trabalho de serem reproduzidos. 


Farás parte de mim, indefinidamente, eternamente. E quero imaginar que alcançou tua liberdade.


Nunca havia sonhado em meu descanso. Afinal de contas, por quê haveria eu, um monstro, de sonhar, se tudo que quero, tenho?


Esta noite, seu sorriso ficou gravado em minha memória.


Adeus.


- Sean Anthony William  

domingo, 5 de junho de 2022

Melodia

 O que eu escuto são meus pés na poeira


as pedras quebrando e se mexendo sob minha sola, numa constância

eu reverbero música


cantando baixinho, cantarolando

as lágrimas já secas no rosto, mas nunca foram de tristeza


o sorriso está estampado, os olhos distantes, pensando em como eu vou chegar lá

um passo a frente do outro, as vezes devagar


eu te deixei pra trás, junto comigo


sigo novo, com a roupa velha, mas também penso em trocar

nada é mais, tarde demais

tudo dá-se um jeito, talvez torto, mas com certeza


eu não paro mais

a melodia que fica, são teus olhos

que me veem seguindo em frente


eu tenho um sorriso e meu coringa foi descartado

o que deixei de sentir, agora está guardado


pronto pra usar novamente. Talvez. 


Sempre talvez.

segunda-feira, 30 de maio de 2022

Timbre

 Agora quem gargalha sou eu


por dentro eu grito, estremeço, vibro como se fizesse sentido novamente

a sensação é afobada, não é real; o corpo borbulha: anseia, não dorme, se desentende

dessa vez não reconhece por um motivo diferente

o timbre é arbitrário

Eu não sinto vontade de deixar passar, meu conforto não está na quietude, a palma da mão arde, a cabeça gira e gira e gira

meu peito alarda, um suspiro solto, o riso extravagante, o sorriso que vem da lua

eu estava anestesiado, perdido em um mar não tão salgado. Horizontes sem fim de calmaria tortuosa

a tempestade veio, me encheu de ar, de som, de vontade

eu não morro mais, até eu morrer

a música que vem tem o tom do seu olhar

a batida do meu peito são seus passos

a melodia que vejo é seu corpo


O timbre é minha cabeça longe do lugar certo

Quem sou eu?

Que poder eu tenho?

Como?

a ansiedade vem rápido e dilacera, não tem remédio, não tem travesseiro, não tem conforto



não é tão ruim

domingo, 29 de maio de 2022

Controle

 Deu pra sentir, facilmente, a ferrugem soltando seca da engrenagem

O estalo, o barulho do metal prensado, a força do movimento brutal


desgastado


um susto, um desconserto, em algum lugar uma cachoeira foi aberta


Eu nem sabia reconhecer flúido, reconhecer situação, reconhecer engrenagem

Meu corpo era um estranho pra mim, e do céu eu vi, minhas decisões irrelevantes


o corpo atropelava a razão do ser, sem pudor, sem freio, em um momento agora congelado no arrependimento

Eu sabia a razão, tinha noção do motivo, mas não tinha certeza, não tinha forças


Onde deixei, morto e esquecido, meu controle?


O desespero me abraçou como um velhíssimo amigo, me puxou pela mão, riu no pé do meu ouvido, me forçou os passos, lambeu minhas lágrimas, dobrou de rir do meu desencanto


e me abandonou no meio fio, como eu achei que você fez


o controle era meu filtro, lente, ótica que tentava ser saudável pro corpo

sem ele eu sou pedra oca, castelo no vendaval, apenas um monte torto de areia ao léu


Quem é você; 

porquê está com meu controle?


O que é você;

que poder você tem?


Como?


a razão, com uma vassoura e uma pá;

catando meu corpo birrento, estraçalhado no asfalto;

ela gargalha

quinta-feira, 17 de março de 2022

Ritmo

O coração ressoa; 

    Um tambor dentro do peito, que ecoa pelos braços podres e as pernas doloridas. A emoção que vem é mista, embolada, disforme. 

    Eu deveria saber o que é, mas não traduz, o corpo não associa, desentende 

 transborda e grita e anseia e some e desce e acorrenta e fere e volta 

Como expulsar um impulso elétrico? Como parar uma reação química? 

    A fraqueza da carne, a simplicidade do físico, a água salgada que umedece os meus cílios 
    
    É desesperador, é fútil, preenche de tristeza e pavor

As horas se vão com as batidas surdas, e a cada uma o tempo desacelera, a insensatez toma conta e agrega ao desentender 
    
    O sono se torna um vagante desconhecido, à tempos ausente do pavimento das minhas fundações 

    Vidrado no teto, de olho na hora, alterando sonhos, falhando em existir 

Em frente, mas torto e manco, ansioso e despreparado 

quase, quase parando 

persiste

ainda

sexta-feira, 4 de março de 2022

Hollow

 Tem uma rachadura na minha alma. As vezes, quando ando, eu sinto as paredes se chocando, e elas trincam mais, soltam mais pedacinhos, ficam mais secas. As vezes, durante o dia, alguma coisa joga uma mão de cimento, água, revitaliza as estruturas. Mas o tempo passa, e a rachadura volta, e seus barulhos me assustam.

Ontem eu acordei com um barulho. Parece que meus olhos estavam abertos antes de eu perceber. Eu foquei pra sentir o que estava errado, e a rachadura estava vazando areia. Foi difícil pois parecia que a areia nunca ia acabar. Escorreu como areia movediça em um buraco no deserto, lixando as paredes, alargando a entrada. Eu não conseguia dormir, nem parar de pensar enquanto a areia escorria. 

O que eu estava perdendo? O que saía de mim, tão rápido, que eu só conseguia observar? Eu não conseguia compreender o que era aquela areia, eu só tinha a sensação, a sabedoria torta, da alma aberta, vazando. Eu não consegui voltar a dormir. Quando a luz entrou pela janela, eu levantei, e o barulho da rachadura foi oco. Não me surpreendeu, mas a percepção do vazio me incomodava bastante. 

O que foi, que eu perdi? O que minha alma sacrificou, para que eu pudesse ainda levantar?

Certos anseios da alma, certos confortos, foram perdidos. Deu espaço pras dores se acomodarem.

O desespero deu espaço a catarse. Os dias passaram, e o choque foi diminuindo.

O cimento que entra pelas rachaduras, é estranhamente amargo. Não trás alento, é um paliativo espesso, áspero, que tenta me convencer que eu não estou vazio. Ele fecha as rachaduras, preenche um espaço, mas com nada. É apenas para que de alguma forma eu pare de vazar, pare de dar atenção a tudo que eu deixei escapar de mim. Ele me tira o foco do que eu perdi, e coloca no conforto ilusório que é não estar mais rachado. 

A areia ainda escapa por algumas rachaduras, mas a cada dia que passa, o fluxo diminui. A cada sorriso forçado, a cada prego removido, as rachaduras se abrem menos. A areia parece acabar. Do que morreu e secou aqui dentro, só sobrará poeira. 

A dor ainda existe. Mas antes, onde existiam milhares de espinhos e razões, hoje tem o vazio do que passou. Então dói menos.

E vamos.