quinta-feira, 16 de junho de 2022

Carta para as cinzas

Esse texto foi uma carta que meu personagem de RPG de vampiro: a máscara, Sean, um Ventrue de alguns séculos, escreveu quando teve seu frágil mundinho abalado por uma paixonite. 

Há quase 10 anos.

Certas coisas são cíclicas na nossa vida mesmo.


04/01/2013


Domingo, Buffalo


23h, Isa's Girls

Eu... mal te conheci. Uma fama nada agradável precede-te, ouço de bocas inebriadas sobre suas incríveis habilidades, sobre o verdadeiro amor que é possuir-te, sobre quantas vezes já o fora...


Era uma obrigação conhecê-la, sondar sobre tuas atitudes e desejos, e o porquê de Buffalo, dentre todos os lugares. Minha vez então se aproximava, e poderia ver com meus próprios olhos o que havia de tão especial no teu colo...


Acredito que quando vi-te, meus olhos não lhe fizeram justiça. Por ser boêmio, esperava que fostes apenas um rostinho bonito, tentando formas alternativas para fazer dinheiro rápido, e pelo que ouvi, muito rápido...


Mas estava pasmo. Como, por tudo que ainda me atenho nesta pós vida, podia ser tão... perfeita? Não precisavas dizer nada, teus olhos comunicavam perfeitamente o que querias de mim, apenas perfurando-os. Não sabia o que dizer, como agir, e em toda minha experiência, isto fora impossível.


Quando se aproximou, tive medo da rapidez de nosso encontro, e quis que perdurasse para sempre este, em um quadro... pensei. Mas o sangue falou mais alto. Meu objetivo voltou com voracidade e clareza. Coloquei meu melhor sorriso, e analisei cada detalhe seu, de seus lábios, seus olhos, sua voz. O quê você busca, o que você almeja.


No momento em que notei teu desvio, aquela pequena faísca de medo e desespero em seus olhos, senti que minha hora havia chegado. Prontamente me propus a te libertar da dor, gostaria de vê-la livre, quiçá cobiçá-la eu mesmo...


E sua inocência foi sua ruína. Como, em nome de Cain, podes ser tão estúpida? Disse-lhe para confiar totalmente em mim, exigi de ti somente a verdade, mas seu desespero e seu amor lhe tomaram. Sua mente não estava mais aqui, quando mencionei que tinha condições de ajudá-la. 


Eu não tenho coração. Definições mundanas de sentimentos, apego e cuidado, são tão vãs que nem faz ideia. Talvez nos próximos séculos. Mas hoje eu me perdi. Talvez, sua ingenuidade tenha me contaminado, e esqueci o que eu era para tentar ajudar-lhe. Agora apenas agonizarei eternamente, mudo para o mundo, sobre o que fez com este pobre monstro.


Antes de entrar naquele cômodo, pensava em como iria reagir, o que você faria ao conhecer seu amado... Inveja. Um sentimento há muito perdido, e que confesso, chegou próximo a superfície do meu ser, uma criança da noite literal, sem qualquer pudor e apreço pela pós vida, alguém marcado por uma busca fantástica em um mundo severo e acimentado.


"Trouxe a garota. A mesma busca um sonho, por isso chama tanta atenção. Peço que perdoe a ingenuidade da criança, e que apenas a escute."


Tão automático, tão fiel, tão cegamente obediente. A verdade é que queria poder começar a te servir logo naquele momento, que fosse designado para ser seu guardião e tutor, pois tudo que tu representava, era tudo que eu havia me forçado a esquecer. Causaste um turbilhão aqui dentro, mas nunca iria saber. Nunca.


"Buscas tão infundadas quanto a impossibilidade de seu objetivo. O passado que é ressuscitado pelas mesmas, deve e será para sempre enterrado."


Foi tão rápido. Em um segundo, estavas ao meu lado, se agarrando ao meu braço, como se somente isso lhe desse calma. No outro, estava completamente em chamas, e em um segundo a mais, deixaste de existir.


Assim, tão fugaz. Tão humana.


As perguntas vieram aos montes, dúvidas, por quês, mas nada disso seria importante. Todos os dizeres que ocorreram a seguir foram ignorados pela razão e por isso não terão o trabalho de serem reproduzidos. 


Farás parte de mim, indefinidamente, eternamente. E quero imaginar que alcançou tua liberdade.


Nunca havia sonhado em meu descanso. Afinal de contas, por quê haveria eu, um monstro, de sonhar, se tudo que quero, tenho?


Esta noite, seu sorriso ficou gravado em minha memória.


Adeus.


- Sean Anthony William  

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